Unit 3 - TrajetóriasAproximando o foco

Trajetórias Aproximando o foco

De Paris ao Pará

Há quem viaje o mundo, conheça cidades cosmopolitas, tenha contato com outras culturas, conheça monumentos lindos e faça passeios únicos, mas... prefira voltar a uma vida mais próxima da natureza. Essa foi a opção de Cláudio. 

  • Empreendedor viajado (Cláudio)

    Termos úteis

     Arranjar: conseguir.

    Assessoria: função profissional que consiste em auxiliar no desempenho de certas atividades estratégicas em uma empresa ou repartição.

    Caboclo ribeirinho: morador de áreas próximas a rios.

    Conserva: produto alimentício mantido em condições de consumo por vários processos.

    Desconhecer: não conhecer.

    Estuário: ponto em que o rio se alarga e se torna menos fundo.

    Fábrica: estabelecimento industrial onde são produzidas mercadorias.

    Filial: estabelecimento cujo funcionamento depende de um outro, que é sua sede ou matriz.

    Formado: aquele que recebe o grau de bacharel, que terminou a faculdade.

    Frango: ave que serve de alimento para o consumo humano.

    Largar: deixar.

    Material de construção: produtos que servem de matéria-prima para a construção de edifícios, pontes ou outras grandes estruturas.

    Negócio: empreendimento comercial.

    Palmito: parte comestível da palmeira, localizada no miolo do tronco.

    Produtos alimentícios: produtos próprios para a alimentação humana.

    Viúva: aquela cujo marido é falecido.

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    Cláudio: É... eu fui passear pelo mundo porque minha mãe ficou viúva muito nova, eu tinha um ano, e depois ela casou-se com um médico francês e eu com nove anos fui morar na França, onde estudei... é... e depois de formado comecei a trabalhar numa empresa francesa, de materiais de construção, na área de... de metalurgia, siderurgia, vidro, e voltei pro Brasil em 1970, com vinte... é... cinco anos de idade, aí como diretor financeiro da filial de ferro fundido deles aqui. Fiquei mais muitos anos trabalhando com eles, voltei pra França, e um belo dia descobri um... ouvi de um amigo a oportunidade de comprar uma pequena empresa de produtos alimentícios, mas que tinha fábricas de uma coisa que eu desconhecia naquela altura, que era palmito... é... e f... negociando com os... esse senhor que tava exportando frango congelado pra África, ele, depois da negociação feita, virou e disse: "Olha, gostei de vocês", eu e meu... meu companheiro de escola na França, é... "e vou dar pra vocês a representação de um negócio que tá crescendo muito, que é o palmito con... palmito em conserva". Aí fomos estudando, esse meu amigo me perguntou por que que... se o negócio era tão bom, por que que eu não comprava essa empresa, disse que não tinha dinheiro, e falou que dinheiro se arranjava, se encontrava… Resumindo a história: larguei a empresa onde eu já trabalhava há catorze anos... é... fiquei mais um ano dando assessoria a eles aqui, e comprei essa pequena empresa que tinha... fabricava conservas, diversas, e que tinha duas fábricas de palmito na Amazônia, que eu não conhecia. E aí foi o início de uma aventura nova... é... descobrir o que que era a Amazônia, o que que é o caboclo ribeirinho, este lado da Amazônia que na realidade é o estuário do rio, mas que representa 40 mil quilômetros quadrados, uma superfície muito grande, pra ter uma ideia, entre Belém e Macapá, pra atravessar o estuário do rio são cinquenta minutos de jato, né, como Rio-São Paulo, né, é uma distância muito grande.

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    Cláudio: Yeah, I traveled around the world because my mom was widowed at a very young age, I was one year old, and later she married a French doctor, and I went to live in France when I was nine, where I studied, and after I graduated I worked for a French construction company, in the area of metallurgy, steel and glass, and I came back to Brazil in 1970, at the age of twenty-five, now as financial director of their cast iron subsidiary here. I worked for a long time with them, went back to France, and one day I found out… I heard from a friend about the opportunity to buy a small food company that owed plants of something I knew nothing about at that time, which was hearts of palm… and negotiating with this gentleman who was exporting frozen chicken to Africa, he later told me: “Look I liked you”… my school friend from France and I… “and I will give you the representation of a business that is rapidly growing, the canned hearts of palm. So we started to think about it, my friend asked why I wouldn’t buy it if the business was good, I said I didn’t have money, he said that we could get the money. To make a long story short, I left the company where I had been working for fourteen years, worked as a consultant for them for another year, and bought this small company that made different canned foods and had two factories in Amazônia that I didn’t know about. And this was the beginning of a new adventure… to find out what Amazônia was, who were the traditional river dwellers, this side of Amazônia that is actually the river estuary but that represents forty thousand square meters, a very large area, to give you an idea, between Belém and Macapá, to cross the river estuary it takes 50 minutes by jet plane, like Rio – São Paulo, right, it’s a huge distance.

  • Palmito: tudo de bom (Cláudio)

    Termos úteis

    Açaí: fruta típica da Amazônia.

    Açaizeiro: tipo de palmeira, planta do açaí.

    Feitio: forma física.

    [o poeta] Gonçalves Dias: poeta romântico brasileiro (1823-64), autor dos versos “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”, da famosa “Canção do exílio”, poesia citada no depoimento.

    Ingurgitar: devorar.

    Na brasa: cozido sobre carvão ou lenha quando estes materiais estão já queimados, mas sem chamas.

    Palmeira: árvore comum no Brasil, com enormes folhas abertas apenas no alto do tronco, que não tem galhos.

    Palmito: parte comestível da palmeira, localizada no miolo do tronco.

    Polpa: a parte comestível mais macia e saborosa da fruta.

    Rendimento: fonte de renda, ganho obtido como resultado de uma atividade produtiva. 

    Sadio: que tem boa saúde.

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    Cláudio: O palmito é... é como o nome indica, algo que é... é uma parte de toda palmeira e são, aproximadamente, 460 ou 470 espécies de palmeira no mundo. Destas, 400 existem no Brasil. É... não é à toa que se... o poeta já dizia... "onde canta o sabiá"... Na verdade, é a terra das palmeiras, o Brasil, né... Ou seja, o palmito não é uma coisa nova, é um... é um... ingrediente da dieta... enfim... da gastronomia do mundo inteiro onde tem palmeiras. É a parte superior da... da... da... da... da espécie... é... e essa (dessa) parte se tira (tiram) as folhas e tem uma es... um... um... cilindro, né, vamos dizer assim... é branco... é... que pode ser consumido cru, ele é muito gostoso cru... é... mas também pode ser consumido... é... na brasa, cozido... é... frito... é... em conserva de diversas maneiras, e é um produto mui... totalmente natural... é... no caso do açaizeiro, ele tem uma enorme vantagem que, ao tirar... é... o palmito, você não mata a planta, muito pelo contrário. Portanto, retirar o palmito do açaizeiro é o oposto de danificá-lo, é melhorar o se... a sua produtividade, favorecer o seu desenvolvimento. Então é isso que é feito, tira-se... a... a.... o palmito… depois de ele [o açaizeiro] ter frutificado duas vezes, e essas frutas, duas ou três vezes, são justamente as frutas das quais se faz a polpa do açaí, que é... hoje é muito vendido tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos e na Europa... é... é uma... ah... a polpa que contém... é... grandes quantidades de lipídio, que é necessário à... à dieta do caboclo ribeirinho, que não tem, justamente, o consumo de laticínios, portanto falta à ele gorduras, né... é... que em outro lugares são passados através do leite, a manteiga, os cremes, lá eles não têm isso... é... a dieta deles é muito... muito sadia nesse ponto de vista, então eles ingurgitam o... o... o... o lipídio necessário pelo... pela polpa de açaí. Com algumas outras vantagens tem o... a tocianina, que é um antioxidante muito poderoso, semelhante àquele que se encontra no vinho tinto, portanto a... o açaí é uma... faz parte da dieta do caboclo, da... da... o caboclo é muito sadio, quem vê o caboclo lá... cê não vê aquilo que você vê em outros países, né, em outras regiões pobres, criança com a barriga arredondada, a... a... o feitio do caboclo é muito sadio. Então, a nutrição deles também é completa, né, porque eles têm muita fruta... é... têm o peixe, têm a carne, têm... é.... a... as fibras da ... da... da ... da mandioca... é... e o palmito serve pra eles... é... melhorarem o seu rendimento, né, porque eles cortam eles mesmos, em volta da... da... da... da terra deles, e na terra deles o... o palmito do açaizeiro, levam pra fábrica e a fábrica industrializa e paga eles em dinheiro... é... o que eles levam lá. E levam duas, três vezes por semana. E cortam todo dia, e levam, porque esse... esse manejo do açaizeiro, que é cortar os mais velhos, né, pra favorecer o crescimento dos outros, se faz o ano inteiro. Então o palmito dá rendimento, dá dinheiro pro caboclo ribeirinho o ano todo. E isso é muito importante porque as outras atividades, a fruta do açaí, por exemplo, ela só dá dois a três meses por ano naquela região, então.... o... e a pesca também, é três, quatro meses, as frutas também têm sua... a única fonte de rendimento permanente do caboclo, sem que ele tenha que se exilar, sem que ele tenha que ir pra cidade, é o palmito que traz pra ele.

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    Cláudio: Hearts of palm, as the name says, is a part of every palm tree, and there are approximately 460 or 470 species of palm trees in the world. Of those, 400 are in Brazil. No wonder the poet once said… where the thrush sings. Actually Brazil is the land of palm trees, right? That is, the hearts of palm is not something new, it’s an ingredient of the diet, of the world’s gastronomy where there are palm trees. It’s the upper part of the species, where you remove the leaves and there is a… cylinder, let’s call it, it’s white and can be eaten raw, it’s very tasty, but can also be grilled, cooked, fried, preserved in a number of ways, it’s a completely natural product, and in the case of the açaí tree there’s an enormous advantage, when you remove the hearts of palm you don’t kill the plant, on the contrary. Therefore, removing the hearts of palm from the açaí tree is the opposite of damaging it, it’s improving its productivity, promoting its development. So this is what’s done, you remove the heart of palm after it has fruited twice, and this is the fruit, twice or three times are the very ones from where you get the açaí pulp, which is widely sold in Brazil as well as in Europe nowadays. This pulp has great amounts of lipids, necessary for the diet of the riverine people, who don’t consume much dairy, so they lack the fats that are abundant in milk, butter, cream, but they don’t have it there, their diet is very healthy in this aspect, so they get the necessary lipids through the açaí pulp. Another advantage is the anthocyanin, a very powerful antioxidant, similar to the one found in red wine, so the açaí is part of the riverine people’s diet, they are very healthy. If you look at them you don’t see what is in other countries, other poor areas, kids with a puffy belly. Their diet is very complete, they have a lot of fruit, fish, beef, the fiber from the manioc, and the hearts of palm help them improve their income because they cut it from the açaí tree on their land, take it to the plant where it gets industrialized, and the plant pays them cash for it. They take it two, three times a week. They cut it every day because this handling of the açaí tree, cutting the older ones to promote the growth of other ones, is done all year long. So the hearts of palm gives them an income, gives them money all year long. This is very important because all other activities, the açaí fruit, for example, grows only for two to three months a year in that region, or fishing, three to four months. That is the only permanent source of income of the population without them having to leave, to go to the city. That is what the hearts of palm brings to them.

  • Destino brasileiro (Cláudio)

    Termos úteis

    Arrancar: tirar com força.

    Morar fora: morar no exterior.

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    Cláudio: É... e comprei a empresa porque era uma empresa que fabricava... a razão, essencialmente, é que eu queria... é... voltar pro Brasil e fazer a minha vida aqui. Eu sempre tive por... por... é... o meu destino – eu não sei por que, talvez porque eu tivesse sido arrancado do meu destino inicial, é... por uma tragédia familiar, a morte do meu pai num acidente de avião, é... eu fui morar fora – é que eu sempre quis voltar pro meu país, seu sempre quis... é... nunca me passou pela cabeça, embora tendo chegado na França com nove anos de idade, ser um dia francês, nunca. Tenho lá muito afeto, meus... minhas irmãs moram lá, meus amigos de infância, mas eu sempre tive consciência do meu destino brasileiro, e se a gente lembrar que aos quinze anos corresponde ao... dos meus quinze anos corresponde à inauguração de Brasília, essa conquista do interior do país... é... eu fui, eu me lembro, eu era garoto, fui pra Brasília uma vez, com quinze... Eu tava de férias no Brasil, eu peguei um avião sozinho e fui pra Brasília passar uma semana. E eu ficava deslumbrado de ver as máquinas construir o... o Palácio do Planalto, achava o Palácio da Alvorada a coisa mais linda que tinha no mundo... eh... tava acabando de ser feito, o Hotel Nacional, em Brasília, que ainda tinha… cheio de poeira vermelha, e eu sempre sonhei em... sem ser pretensioso... é... desbravar o Brasil... é... o meu país. Então... é... assim que surgiu essa oportunidade de ter uma empresa que era minha, ou seja, ser dono do meu destino... é... se isso... se... se essa... se... se o destino... se a gente pode ser dono do seu destino, mas esse desejo, essa... essa... essa tentação... é... eu assumi e o fato de ser na Amazônia só f... dava mais charme à coisa, sabe...

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    Cláudio: I bought the company because it manufactured… the reason was essentially that I wanted to come back to Brazil and establish my life here. I always had as my destiny, I don’t know why, maybe because I was split apart from my initial destiny by a family tragedy, my father’s death in a plane crash, I went to live overseas – that I always wanted to come back to my country, it never crossed my mind, even though I went to live in France at the age of nine, to be French some day, ever. I have a lot of affection… my sisters live there, my childhood friends, but I was always aware of my Brazilian destiny, and if we think that my fifteen years of age correspond to the inauguration of Brasilia, the conquest of the countryside… I went… I remember, I was young, I went to Brasilia once, at fifteen, I was in Brazil on vacation, I got on a plane by myself and went to Brasilia to spend a week. I was awestruck to see the machinery build the Palácio do Planalto, I thought the Palácio da Alvorada was the most beautiful thing in the world, it was just built, the Hotel Nacional de Brasilia that still had red dust in it, and I always dreamt of… without being pretentious, to tame Brazil, my country. So as soon as this opportunity of having my own company turned out, to own my destiny, if you can ever own your destiny, I accepted this wish, this temptation, and the fact that it was at Amazônia just made it more alluring.